quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Atacada Pela Própria Mão

      A americana Karen Byrne, de 55 anos, sofre de uma síndrome rara chamada “Síndrome da Mão Alheia”.
      Esta doença é, no entanto, fascinante, não somente por ser tão estranha, mas também por ajudar a explicar algo surpreendente sobre como os nossos cérebros funcionam.
      Uma das mãos parece ter vida própria como se de outra pessoa fosse. Enquanto Karen falava a mão esquerda começou a despi-la, desabotoando os botões sem que a própria disso se apercebesse, até que lhe disseram. «Comecei a abotoar a camisa novamente com a mão direita, mas assim que eu terminei, a mão esquerda começou a desabotoar de novo. Eu acendia um cigarro, colocava-o no cinzeiro e a minha mão esquerda atirava-o fora. Ela tirava coisas da minha mala sem que eu percebesse. Perdi muitas coisas até que eu percebesse o que estava a acontecer.»
      Em algumas ocasiões a mão esquerda chegou a dar-lhe chapadas, sem controlo. Ela conta que o seu rosto chegava a ficar inchado com tantos golpes.
      O problema de Karen foi provocado por uma luta por poder dentro da sua cabeça. Um cérebro normal é formado por dois hemisférios que comunicam entre si através do corpo caloso.
      O hemisfério esquerdo, que controla o braço e a perna direitos, tende a ser onde residem as habilidades linguísticas. O hemisfério direito, que controla o braço e a perna esquerdos, é mais responsável pela localização espacial e pelo reconhecimento de padrões. Normalmente o hemisfério esquerdo, mais analítico, domina e tem a palavra final nas acções que desempenhamos. A descoberta do domínio hemisférico tem a sua raiz nos anos 1940, quando os cirurgiões decidiram começar a tratar a epilepsia com o corte do corpo caloso. Após a recuperação, os pacientes pareciam normais. Mas nos círculos psicológicos tornavam-se lendas, isso porque esses pacientes revelariam, com o tempo, algo que parece incrível – que as duas metades do nosso cérebro têm cada uma delas uma espécie de consciência separada. Cada hemisfério é capaz de ter a sua própria vontade independente.
      O síndrome de Karen surgiu após ter passado por uma cirurgia, aos 27 anos, para controlar a sua epilepsia, diagnosticada 10 anos antes. A cirurgia para curar a epilepsia normalmente envolve identificar e depois cortar um pequeno pedaço do cérebro no qual os sinais eléctricos anormais se originam. Quando isso não funciona, ou quando a área danificada não pode ser identificada, os pacientes precisam de passar por uma solução mais radical. No caso de Karen, o seu cirurgião cortou o seu corpo caloso; um feixe de fibras nervosas que mantém os dois hemisférios do cérebro em permanente contacto.
      O corte do corpo caloso curou a epilepsia de Byrne, mas deixou-a com um problema totalmente diferente. Ela conta que inicialmente tudo parecia bem, mas que os médicos começaram a notar um comportamento extremamente estranho, isto é, como se tivesse dois cérebros independentes.
      Roger Sperry, um neurobiólogo, fez muitas experiências para provar a tese dos hemisférios incomunicáveis. Num estudo particularmente notável, que filmou, é possível ver um dos pacientes com o cérebro dividido a tentar resolver um quebra-cabeças. O quebra-cabeças exigia o rearranjo de blocos para que estes correspondessem a padrões numa imagem. Primeiro o homem tentou resolver o quebra-cabeças com a sua mão esquerda (controlada pelo hemisfério direito), com bastante sucesso. De seguida, Sperry pediu ao paciente que usasse a sua mão direita (controlada pelo hemisfério esquerdo). Essa mão e hemisfério claramente não tinham nenhuma ideia de como fazê-lo. A mão esquerda então tentou ajudar, mas a mão direita parecia não querer ajuda, então terminaram a discutir como se fossem duas crianças.
      Experiências como essa levaram Sperry a concluir que «cada hemisfério é um sistema de consciência isolado, percebendo, pensando, lembrando, raciocinando, querendo e emocionando-se. Em 1981 Sperry recebeu um prémio Nobel pelo seu trabalho. Numa ironia cruel do destino, já sofria então de uma doença degenerativa do cérebro, chamada “Kuru”, provavelmente contraída nos seus primeiros anos de pesquisas com cérebros.
      A maioria das pessoas que tiveram os seus corpos calosos cortados parecem normais posteriormente mas Karen Byrne teve azar. Após a operação, o lado direito do seu cérebro recusava-se a ser dominado pelo lado esquerdo. Ela sofreu da Síndrome da Mão Alheia durante 18 anos até que os médicos encontraram uma medicação que parece ter trazido o lado direito do seu cérebro de volta ao controlo.

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